Em razão de acordos antigos entre a Santa Sé e o Reino de Portugal, o
sistema de padroado permaneceu ativo em nosso país desde a chegada dos
portugueses ao Brasil, em 1500, até o ano de 1890. Nesse arranjo, a Coroa
Portuguesa tinha autorização do Papa para coletar os dízimos da Igreja e
utilizá-los para sustentar instituições religiosas, financiar atividades e
pagar os párocos.
No final do século XIX, com o aumento das ideias que apoiavam a
separação entre o Estado e a Igreja, começaram a aparecer propostas
legislativas para a formalização de registros em cartórios civis. Um exemplo
disso é o Decreto nº 9.886, de 7 de março de 1888, que estabelecia:
"Art. 1º — O registro civil inclui em suas anotações as declarações
apresentadas neste Regulamento, para certificar a ocorrência de três eventos: o
nascimento, o casamento e a morte.
Art. 2º — A responsabilidade pelos registros, atas e anotações do
registro civil, em cada paróquia, cabe ao Escrivão do Juiz de Paz do primeiro
ou único distrito, sob a supervisão imediata do respectivo Juiz, que é quem
resolve administrativamente qualquer questão que surgir, enquanto os livros de
registro estiverem sob sua responsabilidade."
Desse modo, somente com a implementação do Código Civil em 1916, passou
a ser obrigatória a documentação civil dos principais eventos relacionados às
pessoas físicas (artigo 12).
Como consequência, ao longo de aproximadamente quatro séculos, a Igreja
Católica foi responsável por registrar todos os nascimentos, casamentos e
falecimentos dos membros da sociedade brasileira, independentemente de sua
classe social.
Além dos registros comuns mencionados, é possível encontrar em arquivos
religiosos documentos de autorização para matrimônio, registros de sepulturas
realizadas nas igrejas, além da transcrição de testamentos, onde frequentemente
apareciam declarações de paternidade. Esses documentos também são considerados
parte do que se entende como registros civis em um sentido mais amplo.
De fato, nos acervos de antigas capelas, paróquias e cúrias, podemos
encontrar um dos mais relevantes e extensos conjuntos documentais para a
história do nosso país, fontes primárias essenciais para a reconstrução e
compreensão dos eventos ligados aos primórdios de nossa população.
Não é surpreendente que a Lei 8.159/91, ao estabelecer a política
nacional sobre arquivos públicos e privados, determinou:
"Art. 16 — Os registros civis arquivados por entidades religiosas
gerados antes da vigência do Código Civil são considerados de interesse público
e social."
A declaração citada revela uma aceitação evidente de que esses
documentos possuem um valor enorme para a história, cultura e progresso do
país, além de estipular um conjunto claro de regras para os arquivos em
questão. Embora isso não signifique que será criada uma instituição pública de
arquivamento, gera a necessidade de uma conservação e proteção adequadas.
Por outro lado, a verdadeira condição do acesso às informações contidas
nos documentos religiosos mencionados sugere que não faz sentido mantê-los caso
não desempenhem um papel como ferramentas que favoreçam a cultura e o avanço
científico e social.
Nesse sentido, é importante destacar a existência de um órgão
estabelecido pelo Vaticano com a finalidade de orientar sobre a proteção dos
bens culturais religiosos.
Os encarregados precisam assegurar que a disponibilidade dos documentos
da Igreja seja incentivada, não unicamente para os que têm esse privilégio, mas
também para um número mais amplo de estudiosos, sem distinção de suas
convicções religiosas ou ideológicas, conforme as melhores práticas da Igreja e
em consideração às normas de proteção asseguradas pela legislação universal,
assim como às diretrizes do bispo da diocese.
Esse gesto de ampla abertura, recepção amigável e assistência eficaz
deve ser apreciado para que a herança histórica da Igreja seja acessível a toda
a comunidade.
Texto de Eugênio Pacelly Alves
Referências bibliográficas:
Acesso aos arquivos históricos da Igreja Católica. Disponível em: >(https://www.conjur.com.br/2022-abr-09/ambiente-juridicodireito-acesso-aos-arquivos-historicos-igreja-catolica/)<. Acesso em 18 de agosto de 2024.
Livros paroquiais e registros civis. Disponível em: >(https://tombo.pt/conteudo/livros-paroquiais-e-registo-civil)<. Acesso em 18 de agosto de 2024.
Decreto 9.886 de 07 de março de 1888. Disponível em: >(https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-9886-7-marco-1888-542304-publicacaooriginal-50566-pe.html)<. Acesso em 22 de agosto de 2024.
Lei 8.159 de 08 de janeiro de 1991. Disponível em: >(https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8159.htm)<. Acesso em 22 de agosto de 2024.
Os registros civis e a Igreja Católica: Abertura dos arquivos já. Disponível em: >(https://viladeutopia.com.br/os-registros-civis-e-a-igreja-catolica-abertura-dos-arquivos-ja/)<. Acesso em 22 de agosto de 2024.
Acervos online para pesquisa direta. Disponível em: >(https://www.celottogenealogyservices.com/pt/acervos-online-para-pesquisa-direta/)<. Acesso em 22 de agosto de 2024.
Registros paroquiais: O que eles são e para que servem. Disponível em: >(https://www.holyart.pt/blog/religiao/registros-paroquiais-o-que-eles-sao-e-para-que-servem/)<. Acesso em 22 de agosto de 2024.
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