Durante os 25 anos aproximadamente que se seguiram à proclamação da independência, o governo brasileiro sofreu várias mudanças. Quando a estrutura realmente seguiu numa forma um tanto estéril durante a primeira década do reinado de Pedro lI, muitas modificações tornaram-se significativas para os potentados dos Inhamuns. Ameaçados de um lado pelos agentes de polícia residentes na área e pelo poder judiciário, os potentados enfrentavam possíveis ameaças de pluralismo e controle popular por parte dos partidos políticos e das eleições.
A história sobre as tentativas de adaptação. A essas novidades encerra um dos capítulos vitais da história dos Inhamuns. Mas achamos que um esboço da estrutura de governo torna-se muito importante para o ouvinte, principalmente no que tange à base de poder de seus diversos elementos. Das três divisões do governo local, a polícia era superintendida pelo governo central ou seus representantes, o poder judiciário era de natureza mista e a administração ficava no âmbito das áreas sob a responsabilidade de funcionários públicos escolhidos. As eleições, como parte das instituições representativas na estrutura governamental, eram, pelo menos teoricamente, também designadas por áreas.
Incumbidos de deveres policiais nas diversas áreas das províncias, estavam a Guarda Nacional, os juízes de paz até 1841 e, após 1841, os delegados. Pela lei de 18 de agosto de 1831, a Guarda Nacional substituía as unidades da milícia. A nível regional, a guarda era subdividida em legiões, batalhões e companhias, tendo cada município 2 pelo menos uma companhia, enquanto que municípios grandes poderiam ter um batalhão ou mesmo uma legião. Uma companhia tinha normalmente um efetivo de 60 a 140 homens, era comandada por um capitão auxiliado por um primeiro-tenente, um segundo tenente, um primeiro-sargento e outros graduados subalternos. Um batalhão, composto de quatro a oito companhias, era comandado por um coronel, ao passo que o comandante de legião era o comandante geral.
Os eleitores do município gozavam da condição de poderem servir como oficiais, enquanto que qualquer cidadão poderia ser incorporado ao serviço militar ordinário. A Guarda Nacional tinha como finalidade, de acordo com a legislação de 1831, a manutenção da ordem interna e da tropa auxiliar do exército regular, quando as circunstâncias assim o determinassem. Mas na prática, excetuando-se os serviços prestados durante a Guerra do Paraguai em 1860, a Guarda Nacional se resumia basicamente ao prestígio honorífico da posição.
Como força policial local, a guarda era substituída por outras instituições em muitas missões, embora fosse, às vezes, chamada a fornecer tropas para cumprir missões policiais na área.
Nos Inhamuns, a câmara de São João do Príncipe informava em 1833 que havia organizado quatro companhias no município, uma para cada vila, Flores, Arneiroz e Cococi.
Referências gerais feitas pelos presidentes das províncias sobre a Guarda Nacional no Ceará davam conta de que lhe faltavam treinamento, equipamento e disciplina, elementos necessários à constituição de uma força policial e militar realmente efetiva. Uma opinião bem característica sobre a Guarda Nacional foi expressa pelo Presidente João Silveira de Souza, que em 1858 informava à assembleia que a força não estava ainda organizada em toda a província, e onde ela havia sido organizada, estava "completamente sem armamento, sem disciplina e sem aparência militar ... ".
Mesmo assim, as comissões na Guarda Nacional eram altamente valorizadas pelos que ocupavam ou aspiravam a posições de influência na comunidade. Qualquer fazendeiro, representante da província, político local, ou outra pessoa de uma camada alta da comunidade que não tivesse o título de "doutor" - conferido àqueles que concluíam um curso universitário e que somente poucas pessoas conseguiam nos Inhamuns, no século XIX - normalmente podiam exibir um título da Guarda Nacional.
Como a Guarda Nacional não era encarregada, em condições normais, de missões policiais rotineiras, o cumprimento local da lei era quase sempre exercido por outros funcionários. Inicialmente os principais eram os juízes de paz, instituídos pela Lei do Império de 15 de outubro de 1827. Eleitos pelo povo do distrito, tornaram-se sujeitos à influência dos potentados locais. Principalmente por essa razão, foram substituídos por delegados em 1841.
O delegado era nomeado pelas autoridades imperiais e trabalhava sob a supervisão do chefe da polícia da província.
Sua jurisdição territorial consistia do termo, como uma subdivisão da câmara, que era um distrito ao mesmo tempo policial e judicial -com limites normalmente, não sempre, coincidentes com os do município. Sob sua chefia estavam os subdelegados, designados individualmente para cada termo, indicados pelas autoridades do Império. Por exemplo, São João do Príncipe era um termo em 1860 e tinha um delegado e subdelegados nas vilas de Marrecas, Arneiroz, Cococi e Flores. Já, Saboeiro (município desde 1851) também tinha um delegado e subdelegados nas vilas de Bebedouro, Brejo Seco e Poço da Pedra. Os delegados eram naquela ocasião pessoa de fora e não residentes na área, dependendo muito do fato de as autoridades responsáveis pelas nomeações desejarem cooperar ou dificultar as forças locais.
Os delegados dispunham de unidades policiais que eram tropas da província instituídas no Ceará pela Lei da Província 44, de 14 de setembro de 1836. Sob a supervisão do presidente da província, que tinha autoridade para instalar e deslocar os destacamentos à sua vontade, aquela lei provincial auxiliava outros funcionários na manutenção da ordem e segurança públicas. O recrutamento nas unidades era voluntário, o que frequentemente implicava na existência de claros nos efetivos. O efetivo em soldados nas unidades aquarteladas nos Inhamuns dependia da influência que o presidente da província desejava ali exercer. Os Inhamuns permaneceram sob a jurisdição da comarca de Crato até 1832, quando a província foi dividida em seis comarcas, ficando os Inhamuns pertencendo à Comarca de Quixeramobim. Quatro anos mais tarde, em 1836, a Comarca de São João do Príncipe dos Inhamuns foi criada. A única outra modificação de importância durante o Império foi a criação da Comarca de Saboeiro em 1856, antes parte de Icó. A renovação mais radical do Império no âmbito do sistema judicial era o júri, um grupo de pessoas que, ao contrário dos juízes, baseava-se na comunidade. O júri estava previsto na Constituição de 1824,16 e foi mantido a despeito do fato de não se harmonizar com as tendências centralizadoras do reinado de Pedro II. Recebendo o nome de conselho de Jurados atuava somente em questões criminais. Os cidadãos qualificados como eleitores podiam ser escolhidos como jurados, mas tinham de ser alfabetizados e possuidores de boa reputação. Uma lista de pessoas a serem escolhidas era organizada anualmente pelo delegado e revisada pelo juiz de direito e presidente da câmara. Além do júri, o elemento principal do sistema judicial era o juiz de direito, que não podia ser retirado do tema, exceto por motivo de condenação por crime. Por outro lado, podia ser transferido de uma comarca para outra ao prazer da coroa. Este fato tinha o efeito potencial de limitar a independência do sistema jurídico, não somente porque assim a vontade do juiz poderia ser controlada com ameaças de permanência ou transferência para uma localidade indesejável, como também as autoridades poderiam atender aos desejos dos chefes políticos locais, em relação às remoções e nomeações. Na prática, os cargos de juiz de direito e de juiz municipal, ambos privativos de advogados formados em universidades, eram difíceis de serem preenchidos nas áreas isoladas do sertão. Em consequência disso, havia o costume de substituir-se com certa liberdade o juiz municipal pelo juiz de direito, sendo que aquele podia ser alternadamente substituído por um dos seis cidadãos da localidade designados pelo presidente da província. Assim sendo, nos Inhamuns não era incomum que um juiz municipal com projeção política na área, mas sem qualificação para o cargo, ocupasse a função de juiz de direito em exercício.
Durante as piores secas, os negócios eram completamente suspensos em razão da ausência dos vereadores e substitutos daquela área.
As leis sobre assuntos locais eram aplicadas pela câmara para resolver a maioria dos assuntos principais da alçada da jurisdição municipal. De acordo com os interesses dos habitantes, a câmara aprovou muitas e detalhadas regras quanto à agricultura e criação de gado, outras tratavam do comércio, do aspecto físico da comunidade, da tranquilidade pública, dos escravos, da saúde pública, e dos costumes. Era exigido que o gado fosse abatido em locais designados pela câmara com o objetivo de assegurar a arrecadação de imposto, pois os marchantes que adulterassem o peso ou a qualidade dos seus produtos seriam multados. As construções somente poderiam ser iniciadas mediante permissões, e na vila o fiscal encarregado da observância das regras velava para que cada prédio novo obedecesse ao alinhamento dos outros já existentes na rua em questão. Os proprietários tinham a obrigação de manter suas casas em bom estado de conservação, embora, no caso de pessoas pobres, houvesse uma concessão especial de um prazo maior a fim de que pudessem manter suas propriedades ao nível dos padrões exigidos. A lavagem de roupas e de couros não podia ser feita em lugares onde as pessoas retiravam água para beber.
Texto adaptado por Eugênio Pacelly Alves
Referências bibliográficas:
CHANDLER, Billy. J. Os Feitosas e o Sertão dos Inhamuns. Fortaleza, Universidade Federal do Ceará, 1980.
CARVALHO, Reinaldo. Elites, poder e fortuna: família e sociedade no Ceará no século XIX (1850-1890). ANPUH - XV Simpósio Nacional de História, Fortaleza, 2009. Disponível em: >(ELITES (anpuh.org.br))<. Acesso em 14 de novembro de 2023.
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